quarta-feira, 14 de março de 2012

Na conta do contribuinte, mais sete mil vereadores

Autor(es): Silvia Amorim
O Globo - 21/02/2012



Com aval do Congresso, 1.700 cidades já decidiram ampliar a câmara


A fatura a ser paga por contribuintes de todo o país pelo aumento do número de vereadores em cerca de 7 mil, a partir de 2013, será cobrada já neste ano.

Para acomodar esse contingente, câmaras municipais têm incluído no orçamento de 2012 reformas para ampliações de suas sedes, locação de imóveis para instalar gabinetes ou até mesmo a construção de novo prédio para o Legislativo. Ao todo, 2.153 municípios brasileiros tiveram permissão do Congresso para ter mais vereadores. A conta final promete ser milionária, apesar de todo o discurso feito por deputados e senadores, na época da aprovação da PEC dos Vereadores, em 2009, de que a medida não traria despesas.

Não existem levantamentos nem estimativas oficiais ou extraoficiais do tamanho desses gastos nos legislativos municipais. Mas casos reunidos pelo GLOBO em vários estados indicam que o total dessa fatura será alto. Em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, a previsão é gastar R$ 6 milhões com a construção de uma nova sede para 27 parlamentares. Hoje eles são 21. Em Maceió, a Câmara estima desembolsar cerca de R$ 5 milhões na compra de um novo prédio. O município terá 31 cadeiras em 2013, contra as atuais 21.

O fenômeno atinge também cidades pequenas. Em João Monlevade, no interior de Minas Gerais, município de 75 mil habitantes, a reforma para ampliar o número de gabinetes está orçada em R$ 1,7 milhão.

O aumento de vagas é resultado da aprovação, em 2009, da Proposta de Emenda Constitucional 58, que estabeleceu uma nova relação entre o número de habitantes e a quantidade de vereadores. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 2.153 câmaras ganharam, com isso, o direito de ampliar suas cadeiras. A emenda, entretanto, não obriga os legislativos a fazerem os ajustes. A adequação é facultativa. Pesquisa feita em outubro passado pela CNM mostrou que a maioria deles, cerca de 1,7 mil, já tinha decidido pelo aumento. Atualmente são 51.748 vereadores no país.

Sobra é usada paranovas despesas

l A PEC 58 também reduziu o repasse de recursos das prefeituras para as câmaras a partir de 2011. Ele variava de 5% a 8% e agora é de 3,5% a 7%. Em alguns municípios é praxe as câmaras devolverem recursos ao caixa das prefeituras no fim do ano. É com essa sobra, segundo presidentes de legislativo, que muitas câmaras estão contando para custear as novas despesas.

A adaptação dos prédios é apenas uma parte do problema. A partir de 2013, o aumento de vereadores também significará maior pressão sobre folha de pagamento e despesas em geral.
Presidente da Câmara Municipal de Maceió, Galba Novaes (PRB) explica que, em 2011, a casa devolveu aos cofres da prefeitura cerca de R$ 8 milhões. Para este ano, ele adianta que a sobra orçamentária ou não acontecerá ou será menor porque é com essa verba que pretende comprar a nova sede do legislativo.

Estamos analisando propostas de alguns terrenos e, na volta do recesso, vamos tomar uma decisão para que em 2013 a câmara tenha condição de receber com dignidade os dez novos vereadores. Nosso prédio não comporta esse aumento afirmou Novaes.

Hoje, 12 vereadores da capital alagoana já despacham em imóveis alugados, ao custo mensal de R$ 1 mil cada, por falta de espaço. O mesmo acontece em São Gonçalo com três parlamentares.

Mas nem mesmo essa situação dramática de falta de estrutura sensibilizou a maioria dos vereadores nas duas casas a rejeitar o aumento de cadeiras para 2013.

Há muitos anos os vereadores brigam por uma nova sede. Um terreno está comprado desde 2008. A entrada dos novos só adiantou o processo de construção. Não dá para ficar pagando aluguel a vida toda. É o dinheiro público que está indo embora disse o vice-presidente do legislativo de São Gonçalo, Amarildo Aguiar (PV), favorável ao aumento das vagas.

A direção da Câmara de Maceió tentou no fim de 2011 reduzir algumas regalias dos vereadores, como o valor da verba de gabinete e o número de assessores por parlamentar, além da revogação do reajuste salarial previsto para 2013, para compensar as novas despesas. A proposta foi rejeitada pelos parlamentares.

Vou reapresentar esses projetos quando voltarmos ao trabalho e espero que, por ser um ano eleitoral, a gente consiga aprová-los. Sem esse ajuste, não sei se temos condição de administrar essas novas despesas afirmou Novaes.

A situação do legislativo de Campo Grande (MS) é ainda mais complicada. O imóvel onde funciona a câmara é alugado, mas, devido a desentendimentos sobre o valor do aluguel, desde 2005 não é feito nenhum pagamento ao proprietário. O caso está na Justiça e a Casa já foi alvo de uma ação de despejo. Mesmo assim, os vereadores decidiram aumentar de 21 para 29 o número de cadeiras. Agora, não sabem o que fazer para acomodar os novos colegas.

Eu fui contra esse aumento desde o início da discussão lá em Brasília. Digo, sem nenhum medo, que foi um abacaxi que o Congresso jogou no nosso colo. Os deputados e senadores se renderam porque vereadores são seus cabos eleitorais de luxo. Uma vez aprovada lá, não pude evitar aqui. Recebi documento de todos os partidos querendo as vagas. Mesmo não concordando, fui voto vencido e tive que fazer afirmou o vereador Paulo Siufi (PMDB).
Presidente de um fórum que representa as câmaras municipais de Mato Grosso do Sul, Siufi diz que o assunto tem preocupado dirigentes.

Muitos presidentes têm me ligado preocupados. Não sabem como vão administrar essas despesas. Vai ser um ano difícil de eleição e com o pires na mão.

Mandato-cidadão

Merval Pereira

A relação do eleitor com o candidato sofrerá uma alteração fundamental a partir destas eleições municipais, as primeiras a se realizarem sob os efeitos de uma mudança cultural no país simbolizada pela aprovação da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal.

Mas já existem outros marcos legais que acabaram criando um caldo de cultura favorável à moralização do serviço público.

São eles a Lei da Improbidade Administrativa, de 1992; a Lei da Transparência, de 2009; a Lei do Acesso à Informação Pública, de 2011; e a Lei de Responsabilização de Pessoa Jurídica, em tramitação no Congresso.

Para monitorar a aplicação dessas leis, as redes de controle social envolvem hoje cerca de três mil associações civis dispostas a exigir o cumprimento de suas exigências através das ações judiciais e do trabalho dos Ministérios Públicos federal e estaduais.

A demanda por moralidade por parte da opinião pública, independentemente de condutas éticas individuais, é um fenômeno social de nossos dias, dinamizado pela ação das redes sociais de relacionamento, que terão papel influente nestas eleições.

As propostas mais frequentes da 1 Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social (Consocial), por exemplo, abrangem a inclusão de disciplina sobre ética e cidadania na grade curricular do ensino fundamental; instalação de conselhos municipais de transparência; a criação da Casa dos Conselhos nos municípios, que abrigarão os conselhos municipais de políticas públicas; aperfeiçoamento dos portais de transparência do Poder Público, integrando-os às estruturas das ouvidorias; punições mais severas para os crimes de corrupção.

A expectativa é que um milhão de pessoas estejam mobilizadas ao fim do processo. Em virtude desse novo caldo de cultura da nossa política, já existe a disposição de setores empresariais de não se limitarem a financiar candidatos que apenas atendam a seus interesses corporativos, por mais legítimos que sejam.

Estão dispostos a financiar organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) e de controle social. Organizações como contas abertas, que fiscaliza as contas governamentais na internet; Voz do Cidadão, que trabalha para disseminar a cidadania pela população; Amarribo, que combate a corrupção e atua na promoção da cultura da probidade.

E muitas outras associações da sociedade civil, preocupadas com o monitoramento das promessas de campanha, da boa aplicação do dinheiro público e do desempenho do Judiciário.

Ontem, em um seminário do qual participei na Academia Brasileira de Filosofia sobre sustentabilidade urbana, Oded Grajew, da Rede Nossa São Paulo, falava sobre a alteração que a cobrança de metas está realizando no comportamento dos políticos e, sobretudo, no dos eleitores.

Ele considera que as eleições municipais podem criar um novo padrão de relação dos cidadãos com a política, candidatos e os gestores públicos municipais assumindo compromissos concretos, e os cidadãos acompanhando os resultados desses compromissos.

O Programa Cidades Sustentáveis, uma realização da Rede Nossa São Paulo, em parceria com a Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis e o Instituto Ethos, oferece uma agenda para a sustentabilidade com a qual candidatos a prefeitos de diversos municípios poderão se comprometer publicamente.

Também Mario Mantovani, da SOS Mata Atlântica, anunciou que uma plataforma de sustentabilidade será apresentada a candidatos a vereadores de diversos municípios para garantir a adesão política.

O publicitário Jorge Maranhão, dedicado à causa da cidadania e que tem o site A Voz do Cidadão, onde põe em debate os direitos e os deveres de um verdadeiro cidadão, já concebeu diversas campanhas, a mais recente tendo sido colocar em circulação pelas cidades do país o Cidadômetro, concebido como uma complementação do Impostômetro, que mede, em São Paulo, o quanto de impostos o cidadão paga.

Assim como o relógio que mede os impostos, localizado na Avenida Paulista, procura chamar a atenção do consumidor para o tamanho de nossa carga tributária, Maranhão foi à rua tomar o pulso da cidadania, tanto no sentido de iniciativa quanto de mensuração propriamente dita.

Ele agora está lançando o "mandato-cidadão", para parlamentares comprometidos com a transparência e a prestação de contas.

Maranhão está convencido de que já existe uma massa crítica hoje no Brasil de cidadãos dispostos a sair de uma cidadania de primeiro grau, que se define pela solidariedade, preocupação com o meio ambiente e o espaço público, os equipamentos urbanos, para exercer o que ele chama de "cidadania atuante", que é o uso das instituições de controle do Estado, independentemente de partidos. "Cidadãos que não aceitam mais o Estado ser aparelhado por conveniências políticas", define.

"Ninguém vai acabar com a corrupção", admite Maranhão, que, no entanto, entende que existe um grupo de parlamentares, nos diversos níveis federativos, que pode dar o norte para as instituições, levando consigo a maioria.

Não importa se esse parlamentar é do governo ou de oposição, diz Maranhão, "o que ele precisa ser é um representante da sociedade".

Esses deputados federais, estaduais e vereadores que se comprometerem com a ética e a transparência públicas receberão a chancela do "mandato-cidadão".

Para Maranhão, tanto o "cidadão eleitor" quanto o "cidadão eleito" precisam acreditar que, se não houver instituições fortes, não há democracia. "Ficamos então à mercê de golpistas e de demagogos".

Ele se indigna com a confusão de moral pública com moralismo, com udenismo. "Isso é cínico. Nós temos a responsabilidade política de fazer a futura geração acreditar no Congresso".

 Publicado em http://contasabertas.uol.com.br/WebSite/Midias/DetalheMidias.aspx?Id=2462

Ivan Lins fala sobre a corrupção.